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MEU LIVRO "NA INQUISIÇÃO DE
SALAZAR"
FAZ MEIO SÉCULO EM
MAIO de 2007
Durante cerca de vinte e quatro anos anotei informações e
recolhi datas e acontecimentos que denunciavam a crueldade da ditadura
nazi-fascista portuguesa, implantada por um golpe militar em 28 de Maio
de 1926. Nos anos imediatos fortaleceu suas bases militares, policiais
e jurídicas: os golpistas chamaram elementos "novos" para
reforçar o batalhão de torturadores, e a ditadura durou a
bagatela de 48 anos. Só acabou derrubada por jovens militares
que estudaram nas escolas fascistas, foram promovidos várias
vezes, ganhavam salários bem significativos, se comparados com
os trabalhadores que os alimentavam, vestiam e calçavam, e os
impostos cobrados em cima da produção dos
operários, pagavam as m a s que empunharam para atacar
anti-fascistas.
Nos "breves" (30) anos que tive de viver sob a ferocidade
autoritária, inicialmente por curiosidade, e mais adiante por
convicções ideológicas, fui anotando tudo que
ouvia e lia em prospectos editados clandestinamente, e na troca de
correspondência com Luís Portela, que passara uns breves
14 anos nos calabouços de Salazar, no continente português
e na fortaleza de S. João Batista, Ilha Terceira, Açores.
Enquanto alguns ditadores aliados e cúmplices encurtavam a
agonia dos seus opositores presos fuzilando-os, o ditador
português (formado no seminário de Viseu, pelos
métodos da inquisição) prolongava o sofrimento
físico e psicológico de suas vítimas durante anos
e anos, turberculisando uns, cegando ou enlouquecendo outros e,
exaurindo a resistência de todos. As mortes dos presos
políticos portugueses (salvo umas poucas
excepções) eram cometidas lentamente com requintes de
crueldade.
Auxiliado por boa quantidade de verdugos treinados na "arte" de infringir DOR, Salazar
era um ditador silencioso, frio, insensível, tudo fazia para que
seu governo seguisse os ensinamentos da santa inquisição
que assimilou da Igreja, com louvor. E ainda manipulava a
instrução e a cultura das novas gerações,
impondo um ensino ultrapassado, transformando os portugueses num dos
povos mais atrasados da Europa, social, intelectual, técnica e
cientificamente.
Saber, conhecer, o sofrimento humano de suas vítimas, usando
métodos inquisitoriais alisava o EGO de Salazar!!!
Adolescente, o autor ouvia seu pai, primos e seus companheiros de
ideias conspirar contra a ditadura na calada da noite, na sua
própria casa, movido inicialmente por curiosidade, atrás
das portas e anotava em pedaços de papel de embrulho o que
conseguia entender na sua ingenuidade de rapaz aldeão.
Neste período soube que generais e a Igreja espanhola, apoiados
pelos ditadores da Itália, Alemanha e Portugal, desencadeavam um
movimento revolucionário para impedir o avanço da CNT
(Confederação Nacional do Trabalho), FAI
(Federação Anarquista Ibérica), UGT (União
Geral dos Trabalhadores), dos "comunistas de Estaline, Trotsquistas e
socialistas". A igreja tinha pavor dos sindicalistas
revolucionários e anarquistas. Sentia-se ameaçada em seus
conventos e herdades imensas. Padres (soube-se) chegaram "atear fogo a
velhos conventos para depois culpar, pedir a prisão e
condenação dos malditos anarquistas...”
Eu morava com meus pais numa modesta casa na rua da Agudela S/N, um
antigopovoado ao norte do Porto, Portugal. Era meados de Julho de 1936.
A ditadura portuguesa já tinha DEZ ANOS DE VIDA e uma grande
folha de serviços de violência e de crimes! Sua
máquina de reprimir possuía uma boa experiência de
planejar golpes militares. No Estoril (Portugal) principalmente com a
presença dos generais espanhóis Sanjurjo, Cavancanti,
Femandez Perez, o banqueiro Jean March e alguns espanhóis
monarquistas depositavam milhões de pesetas no Banco
Espírito Santo, de Lisboa. Na época os ministros:
italiano Pedrozzi e o alemão Han Hermann Volekens também
vieram ao Estoril, zona rica de Portugal para acertar, com o governo de
Salazar e os generais espanhóis, o envio de armas via Portugal.
"POR DEUS E PELO REI...
Entre os acordos nazi-fascistas, constava prender todos os
espanhóis que se refugiassem em território
português e deter os portugueses que fizessem propaganda contra
os militares e a Igreja espanhola" .
A sede da PIDE (Polícia Internacional e Defesa do Estado) do
Porto e o forte de ELVAS ficaram cheios de espanhóis e alguns
foram fuzilados junto da fronteira Espanha - Portugal. Eram as
notícias que chegavam ao grupo que se reunia com meu pai.
No meio desta agitação revolucionária, os agentes
da PIDE invadiram numa madrugada de 1936, a nossa casa e levaram meu
pai. Com ele foram mais cinco companheiros.
A PIDE fazia algum tempo tinha mudado sua sede, da rua Duque de
Loulé, 127, para a rua do Heroísmo, 329, Porto, um
palacete espaçoso para encarcerar mais oposicionistas à
ditadura.
Quando foi levantada a incomunicabilidade de meu pai, eu e meu
irmão mais velho fomos encarregados de levar roupa lavada e
tentar notícias dos prisioneiros... E foi nesse contacto
doloroso com a realidade prisional que pude entender - em toda a sua
extensão e crueldade - o que significavam as
detenções, interrogações e as torturas
impostas aos detidos, antes difíceis de conhecer e ser avaliadas
pelos dois adolescentes. Vi nos estreitos corredores do casarão
da PIDE, pintas de sangue humano nas paredes laterais, mal lavadas
pelos Faxineiros da polícia, na manhã seguinte ás
torturas e espancamentos da noite.
Nessa época os torturadores ainda "resolviam" os
interrogatórios aos murros, com chicotadas de cassetete de
borracha e pancadas com pedaços de madeira que pudessem
infringir DOR!
Os interrogatórios “científicos” só foram
implantados mais tarde nos "matadouros humanos da PIDE”. Foi vendo e
descobrindo uma realidade salpicada de sangue humano e, tomando
conhecimento do que haviam feito com meu pai e seus companheiros,
que despertou em mim um misto de revolta e de vontade incontida de
escrever um livro denunciando os crimes da ditadura portuguesa, de
todas as ditaduras. Ainda não sabia como fazer isso, mas minha
convicção nasceu, cresceu com a juventude e formou-se no
meu cérebro e o livro veio a chamar-se NA
INQUISIÇÃO DE SALAZAR que agora (em Maio de 2007)
completa meio século!
Durante os 30 anos que vivi no modesto lugar, juntei
anotações, troquei correspondência com
ex-prisioneiros libertários, alguns só anti-fascistas e
consegui substanciosos documentos, e em Julho de 1951 pude
trazê-los para o Rio de Janeiro, Brasil, onde procurei a
liberdade. No início tudo não passava de papéis
velhos, muitos de embrulhos, insuspeitos. Aos poucos fui seleccionando
por assuntos e, em Maio de 1957 consegui publicar NA
INQUISIÇÃO DE SALAZAR, 270 páginas, tamanho 16 x
27, pela Editora Germinal, de Roberto das Neves. E com as
anotações e documentos que sobraram, ainda publiquei A
FOME EM PORTUGAL. (290 páginas) em 1958; O RETRATO DA DITADURA
PORTUGUESA (216 páginas) em 1962, todos no Rio de Janeiro, e na
Venezuela, PORTUGAL. HOI, um pequeno opúsculo também
divulgado pela revista ANARCHIA, na Itália, em capítulos,
graças à ajuda de Victor Garcia, das Juventudes
Libertárias Espanholas, no Exílio, anarquista que havia
conhecido quando esteve no Brasil.
Não foi exclusivamente motivado pelos meus livros, mas a partir
deles realizaram-se no Brasil comícios contra as ditaduras
Ibéricas e apareceram outras publicações, e
eu, não parei mais uma pesquisa que me rendeu um acervo
que hoje estou passando aos mais jovens na Suíça,
Espanha, Portugal e Brasil, esperançoso que não
aconteça com esse acervo o que está acontecendo com o
arquivo do CÍRCULO ALFA DE ESTUDOS HISTÓRICOS, formado em
São Paulo, Brasil, por dez companheiros (1986). Com o
falecimento da maioria, dos TRÊS que restaram, um deles tenta
tornar-se dono .
O tempo decorrido deu origem a outras ditaduras, ao aparecimento de
outros tiranos que fizeram derramar rios de sangue.
Ainda no campo de "batalha libertária" depois de MEIO
SÉCULO que meu livro denunciou uma ditadura, um ditador,
Portugal tomou-se uma democracia e os políticos que foram
chegando e alguns podem até ser descendentes de servidores do
fascismo, aprovaram a fixação de uma placa no local onde
o autor começou escrever NA INQUISIÇÃO DE SALAZAR,
na rua de Agudela, esquina com a rua Verdeiro do Carmo, logo que a
velha casa foi demolida (25 - 4 - 2005). Dir-se-ia que foi um pequeno
reparo das tantas injustiças cometidas pela ditadura, que os
"democratas" não corrigiram devidamente.
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