Edgar Rodrigues: dedicação e compromisso social.

A qualquer pessoa que um dia tenha se interessado em conhecer a história do movimento operário, ou a influência das idéias e práticas socialistas no Brasil, não será desconhecido o nome de Edgar Rodrigues. Sua obra vastíssima, contando com mais de quatro dezenas de títulos, entre ensaios, pesquisas históricas e levantamentos de fontes e documentos, além de centenas de artigos em jornais de idiomas variados, o conferem não apenas a singular distinção de ser o autor que mais publicou sobre o anarquismo e as lutas operárias em idioma luso-brasileiro, mas também atestam a sua capacidade de pesquisa e trabalho.
Nascido em Portugal dos anos 1920, Edgar Rodrigues travou contato com a militância social e com o anarquismo ainda adolescente, na casa dos pais. Filho de um militante anarco-sindicalista, esforçava-se para entender as idéias que seu pai e outros amigos debatiam em sua casa, em árduos tempos de salazarismo. Chegado ao Brasil no começo dos anos 1950, fugindo da sangrenta ditadura que vitimou seu pai, Rodrigues obstinou-se em combater pela liberdade, denunciando as ditaduras fascistas e juntando-se ao movimento anarquista nesse país.
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Ao lado de velhos militantes libertários brasileiros, Rodrigues colaborou intensamente na divulgação das idéias ácratas. Já na década de 1950, suas denúncias ao franquismo e ao salazarismo, bem como defesas resolutas do sindicalismo livre, esmagado sistematicamente no Brasil desde os anos 30, eram uma constante nas páginas do jornal anarquista de José Oiticica – Ação Direta – um dos primeiros veículos do reaparecimento do anarquismo no período entre ditaduras.
Iniciando sua pesquisa sobre o movimento operário brasileiro, Rodrigues, em viagens por todo o Brasil, coletou memórias de militantes, recolheu arquivos pessoais, levantou documentos no mais das vezes inéditos, formando um vasto acervo de história social com acento no associativismo dos trabalhadores e no sindicalismo. Esta atividade de pesquisa forneceu substrato para livros sobre o movimento operário em Portugal e no Brasil, que subvertiam o index  das censuras vigentes nesses paises. Manteve também intercâmbio com libertários de vários outros países, coletando subsídios para o estudo do anarquismo em escala internacional.

Nesse papel de divulgador da memória libertária, o trabalho de Edgar Rodrigues é notável por uma razão especial. Não sendo o anarquismo fruto de uma militância centralizada, com uma estratégia deliberada de divulgação maciça, como ocorre em outras correntes político-ideológicas, as memórias dos militantes ácratas restam muitas vezes desconhecidas de um público mais amplo. As anotações, entrevistas e levantamentos de referência sobre esses militantes, como as que o autor publicou nos cinco volumes de Os Companheiros, constituem um dos mais relevantes esforços no sentido de preservar as memórias que registram a atividade dos libertários no Brasil. As vidas de militantes como Fábio Luz, Neno Vasco, Maria Lacerda de Moura, Moacir Caminha, Pedro Augusto Mota, entre vários, podem então, aparecer às novas gerações de anarquistas, apresentando não um legado, mas ilustrando o processo histórico pelo qual passaram as práticas e idéias libertárias.
No campo da pesquisa histórica sobre o movimento associativista dos trabalhadores, Edgar Rodrigues deu a público títulos de referência onipresente entre aqueles que pesquisam as lutas operárias. Livros como Socialismo e Sindicalismo no Brasil (1969) e Nacionalismo e Cultura Social (1972), levantando fatos e fontes, fornecem elementos para a discussão sobre o movimento operário na Primeira República, e outros títulos, que contemplam períodos pouco abordados da atividade anarquista , como os anos pós-Estado Novo ou nos governos militares dos anos 60 e 70, apontam para a longevidade do ideal ácrata.
Malgrado as críticas dos que censuram em Rodrigues a falta de um maior rigor metodológico no tratamento de suas fontes, ou de um maior embasamento teórico, à moda da
Academia, a produção histórica do autor já mereceu o reconhecimento de importantes historiadores, sensíveis ao seu caráter precursor  na abordagem de vários temas e à importância de sua obra para o estudo do movimento operário no Brasil, em especial à penetração do anarquismo e na luta pela emancipação humana em sua forma mais ampla. O propósito de Edgar Rodrigues, por ele próprio ilustrado em uma entrevista cedida a Jorge E. Silva, é pertinente:
“Para mim escrever livros foi uma conseqüência da pesquisa e coleta de informações. A minha formação é autodidata, os métodos de pesquisa, se assim os posso chamar, são os que fui experimentando e melhorando ao longo desse meu trabalho. Minha principal preocupação tem sido não deixar perder documentos que ia descobrindo e divulgar uma história que vinha sendo ocultada e deturpada do movimento social no Brasil.”
A obra de Edgar Rodrigues alcança não apenas esses objetivos primordiais. É também um estimulante para os novos pesquisadores de História Social e das lutas dos trabalhadores. Dedicação e compromisso social são alguns dos seus principais legados.

Fortaleza, Ceará, fevereiro de 2002
Allyson Bruno
Adelaide Gonçalves





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